Romance de época e urbano
Escrita em 18/07/2022 por Victor Hugo Sigoli de Campos
O livro foi escrito por Manuel Antônio de Almeida, e
publicado em 1853 em folhetins do Correio Mercantil no Rio de Janeiro, durante
o Romantismo no Brasil. Releva aspectos culturais do povo brasileiro, abordando
comportamento e costumes do século XIX.
O protagonista Leonardo é entregue ainda criança aos
padrinhos, um barbeiro e uma parteira, após seu pai Leonardo Pataca expulsar de casa sua
mãe Maria da Hortaliça por traição. Os tutores do garoto desejam colocá-lo na
escola, mas revela-se desleixado frustrando as intenções do barbeiro que decide
inseri-lo na educação religiosa para tentar acalmar sua personalidade travessa,
porém, os transtornos causados ao padre acabam com essa ideia. O seu interesse
amoroso na juventude é Luizinha, que é pretendida por José Manuel por causa de
sua herança, um amigo de família.
No outro núcleo da obra, Pataca se envolve amorosamente com
a Cigana que depois o rejeita. Ao tentar reconquistar à mulher usa feitiçaria
(naquela época considerada crime), entretanto, Major Vidigal invade a casa do feiticeiro,
pune os praticantes com chibatadas e prende Leonardo. A amante do bandoleiro
pede ajuda a um tenente-coronel, que se considerava endividado com a família de
Léo, e ele logo é solto.
Ao se tornar adulto o protagonista volta a morar com o pai,
que se casou com Chiquinha, filha da comadre, têm muitas discussões com ambos e
é expulso de casa. Passa a viver com os jovens da Rua da Vala e conhece Vidinha,
mulata por quem se apaixona, entrando na disputa com seus primos pelo seu amor.
Os rapazes incriminam Leonardo ao Major Vidigal que o prende, porém à Comadre,
D. Maria e Maria Regalada, pedem-lhe a soltura do rapaz, e Vidigal liberta o
jovem, e lhe promete o cargo de sargento do exército.
O leitor é apresentado a tipos comuns de forma bem-humorada e festividade,
o “malandro”, o Mestre de Cerimônia, Mestre de Reza, Cigana, e situações
sociais, abandono parental, evasão escolar, autoritarismo policial, sem se aprofundar, pois, o
objetivo é contemplar à realidade do país pela perspectiva das camadas
populares. A vida dos “brasileiros simples” é retratada em descrições, que
apresentam panoramas sociais, o personagem principal é abandonado pelo pai e
pela mãe, não aceita a escola, e todos os benefícios que obtém na vida são por
acaso ou por cumprimento de favores. A falta de moralismo e excentricidade são
comportamentos comuns das pessoas na história, pois suas ações não se dividem
necessariamente entre boas ou más.
Trecho do capítulo 9 da primeira parte: “- O –
arranjei-me – do compadre”:
“Os
leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer castelos
no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo ofício que exercia,
isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora
cumprir a promessa.
Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por
seu nascimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de
que se recordava de sua história reduzia-se a bem pouco. Quando chegará à idade
de dar acordo da vida achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porém
que nunca lhe disse se era ou não pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por
que tratava de sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio à
curiosidade indagá-lo.
Esse homem ensinara-lhe o ofício, e por inaudito milagre também a ler e
a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu... mestre, em falta de
outro nome, uma vida que por um lado se parecia com a do fâmulo, por outro com
a do filho, por outro com a do agregado, e que afinal não era senão vida de
enjeitado, que o leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso
dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha feito.
Quando passou de menino a rapaz, e chegou saber e sangrar sofrivelmente,
foi obrigado a manter-se à sua custa e a pagar a morada com os ganchos que
fazia, porque o produto do mais trabalho pertencia ainda ao mestre. Sujeitou-se
a isso. Porém queriam ainda mais: exigiam que continuasse a se empenhar no
serviço doméstico. Lavrou-lhe então na alma um arrepio de dignidade: já era
oficial, e não queria rebaixar o seu ofício. Virou mareta; fez-se duro, e
safou-se de casa sem escrúpulos nem remorsos, pois bem sabia que estavam as
saldas as contas de parte em parte. Tinham-no criado; ele tinha servido. Também
não encontrou grande resistência à sua deliberação.
Apenas
passou o primeiro ímpeto e teve tempo de reflexionar, quase que começou a
arrepender-se por não saber o meio de achar o arranjo. Viu-se na rua, sem saber
para onde ir, tendo por única fortuna uma bacia de barbear embaixo do braço, um
par de navalhas e outro de lancetas na algibeira. Verdade é que quem tinha
consigo estes trastes estava com as armas e uniforme do ofício; porém isso não
bastava; o pobre rapaz estava em apertos.
Passou a
primeira noite em casa de um colega, e no dia seguinte ao amanhecer, tomando os seus apetrechos, saiu em busca de que fazer para aquele dia, e de destino
para os mais que se iam seguir.”
Os
padrinhos acolhem Leonardo e amparam seu sofrimento, o ensinam a ler, escrever,
conseguir emprego, sem nunca lhe revelarem que não eram seus parentes. O
padrinho prepara o menino para que assuma à sua profissão. Mas, após um baque
sua vida se transforma novamente, sendo levado a “ter que se virar” e sozinho,
também, a viver com seu verdadeiro pai.
O autor desenvolve Leonardo e Leonardo Pataca
fazendo suas histórias se complementarem, ambos possuem personalidade de
“malandro”, e vivem em meio às desventuras, aquele na infância e juventude, e
este na senilidade. No amor o jovem alterna, entre Luizinha e Vidinha, porém,
não assume relacionamento com nenhuma, assim como o “velho Leonardo” com sua
primeira esposa gerou o filho a partir de uma “pisadela e um beliscão”, uma
referência ao início da relação… depois da fuga de Maria com o amante, se
enamorou com a Cigana e, desistiu dela, em seguida se casou com a filha da
Comadre, Chiquinha.
Almeida estruturou o
enredo em duas partes, a primeira com vinte e três e a segunda com vinte e
cinco capítulos, logo, apresentando os personagens episodicamente, não há
relação de causa e consequência, pois, os fatos acontecem aleatoriamente. A
história é contada em terceira pessoa, o narrador-observador transmite os
fatos, mas não participa, e sua linguagem é coloquial com caráter cômico, poético,
ironias e insinuações, rimas nos títulos dos capítulos, por exemplo, tomo I —
Cap. XIV “O Vidigal Desapontado”; Cap. XV “Caldo Entornado”, e citações a locais do Rio de Janeiro, o Largo do Paço, Largo da Misericórdia, Rua da Vala, entre outros. O romance se trata
de relatos do passado que são reconstruídos pela lembrança, as personalidades e
costumes das pessoas no começo do século XIX, época em que apenas à
aristocracia era representada na literatura.
Ficha Técnica do livro
País de origem: Brasil
Nome: Memórias de um Sargento de Milícias