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sábado, 30 de julho de 2022

CRÍTICA | MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS, DE MANUEL A. ALMEIDA

                     Romance de época e urbano 

                                   Escrita em 18/07/2022 por Victor Hugo Sigoli de Campos 




O livro foi escrito por Manuel Antônio de Almeida, e publicado em 1853 em folhetins do Correio Mercantil no Rio de Janeiro, durante o Romantismo no Brasil. Releva aspectos culturais do povo brasileiro, abordando comportamento e costumes do século XIX.  

O protagonista Leonardo é entregue ainda criança aos padrinhos, um barbeiro e uma parteira, após seu pai Leonardo Pataca expulsar de casa sua mãe Maria da Hortaliça por traição. Os tutores do garoto desejam colocá-lo na escola, mas revela-se desleixado frustrando as intenções do barbeiro que decide inseri-lo na educação religiosa para tentar acalmar sua personalidade travessa, porém, os transtornos causados ao padre acabam com essa ideia. O seu interesse amoroso na juventude é Luizinha, que é pretendida por José Manuel por causa de sua herança, um amigo de família.

No outro núcleo da obra, Pataca se envolve amorosamente com a Cigana que depois o rejeita. Ao tentar reconquistar à mulher usa feitiçaria (naquela época considerada crime), entretanto, Major Vidigal invade a casa do feiticeiro, pune os praticantes com chibatadas e prende Leonardo. A amante do bandoleiro pede ajuda a um tenente-coronel, que se considerava endividado com a família de Léo, e ele logo é solto.

Ao se tornar adulto o protagonista volta a morar com o pai, que se casou com Chiquinha, filha da comadre, têm muitas discussões com ambos e é expulso de casa. Passa a viver com os jovens da Rua da Vala e conhece Vidinha, mulata por quem se apaixona, entrando na disputa com seus primos pelo seu amor. Os rapazes incriminam Leonardo ao Major Vidigal que o prende, porém à Comadre, D. Maria e Maria Regalada, pedem-lhe a soltura do rapaz, e Vidigal liberta o jovem, e lhe promete o cargo de sargento do exército.

O leitor é apresentado a tipos comuns de forma bem-humorada e festividade, o “malandro”, o Mestre de Cerimônia, Mestre de Reza, Cigana, e situações sociais, abandono parental, evasão escolar, autoritarismo policial, sem se aprofundar, pois, o objetivo é contemplar à realidade do país pela perspectiva das camadas populares. A vida dos “brasileiros simples” é retratada em descrições, que apresentam panoramas sociais, o personagem principal é abandonado pelo pai e pela mãe, não aceita a escola, e todos os benefícios que obtém na vida são por acaso ou por cumprimento de favores. A falta de moralismo e excentricidade são comportamentos comuns das pessoas na história, pois suas ações não se dividem necessariamente entre boas ou más.

Trecho do capítulo 9 da primeira parte: “- O – arranjei-me – do compadre”:
                  “Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo ofício que exercia, isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir a promessa.
                   
                  Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua história reduzia-se a bem pouco. Quando chegará à idade de dar acordo da vida achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porém que nunca lhe disse se era ou não pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por que tratava de sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio à curiosidade indagá-lo.
                    
                  Esse homem ensinara-lhe o ofício, e por inaudito milagre também a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu... mestre, em falta de outro nome, uma vida que por um lado se parecia com a do fâmulo, por outro com a do filho, por outro com a do agregado, e que afinal não era senão vida de enjeitado, que o leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha feito.
               
                   Quando passou de menino a rapaz, e chegou saber e sangrar sofrivelmente, foi obrigado a manter-se à sua custa e a pagar a morada com os ganchos que fazia, porque o produto do mais trabalho pertencia ainda ao mestre. Sujeitou-se a isso. Porém queriam ainda mais: exigiam que continuasse a se empenhar no serviço doméstico. Lavrou-lhe então na alma um arrepio de dignidade: já era oficial, e não queria rebaixar o seu ofício. Virou mareta; fez-se duro, e safou-se de casa sem escrúpulos nem remorsos, pois bem sabia que estavam as saldas as contas de parte em parte. Tinham-no criado; ele tinha servido. Também não encontrou grande resistência à sua deliberação.
            
                  Apenas passou o primeiro ímpeto e teve tempo de reflexionar, quase que começou a arrepender-se por não saber o meio de achar o arranjo. Viu-se na rua, sem saber para onde ir, tendo por única fortuna uma bacia de barbear embaixo do braço, um par de navalhas e outro de lancetas na algibeira. Verdade é que quem tinha consigo estes trastes estava com as armas e uniforme do ofício; porém isso não bastava; o pobre rapaz estava em apertos.  
           
                  Passou a primeira noite em casa de um colega, e no dia seguinte ao amanhecer, tomando os seus apetrechos, saiu em busca de que fazer para aquele dia, e de destino para os mais que se iam seguir.”

Os padrinhos acolhem Leonardo e amparam seu sofrimento, o ensinam a ler, escrever, conseguir emprego, sem nunca lhe revelarem que não eram seus parentes. O padrinho prepara o menino para que assuma à sua profissão. Mas, após um baque sua vida se transforma novamente, sendo levado a “ter que se virar” e sozinho, também, a viver com seu verdadeiro pai.

O autor desenvolve Leonardo e Leonardo Pataca fazendo suas histórias se complementarem, ambos possuem personalidade de “malandro”, e vivem em meio às desventuras, aquele na infância e juventude, e este na senilidade. No amor o jovem alterna, entre Luizinha e Vidinha, porém, não assume relacionamento com nenhuma, assim como o “velho Leonardo” com sua primeira esposa gerou o filho a partir de uma “pisadela e um beliscão”, uma referência ao início da relação… depois da fuga de Maria com o amante, se enamorou com a Cigana e, desistiu dela, em seguida se casou com a filha da Comadre, Chiquinha.

Almeida estruturou o enredo em duas partes, a primeira com vinte e três e a segunda com vinte e cinco capítulos, logo, apresentando os personagens episodicamente, não há relação de causa e consequência, pois, os fatos acontecem aleatoriamente. A história é contada em terceira pessoa, o narrador-observador transmite os fatos, mas não participa, e sua linguagem é coloquial com caráter cômico, poético, ironias e insinuações, rimas nos títulos dos capítulos, por exemplo, tomo I — Cap. XIV “O Vidigal Desapontado”; Cap. XV “Caldo Entornado”, e citações a locais do Rio de Janeiro, o Largo do Paço, Largo da Misericórdia, Rua da Vala, entre outros. O romance se trata de relatos do passado que são reconstruídos pela lembrança, as personalidades e costumes das pessoas no começo do século XIX, época em que apenas à aristocracia era representada na literatura.



Ficha Técnica do livro

País de origem: Brasil 

Nome: Memórias de um Sargento de Milícias 





                                                                                                         

                                                    

 


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