Escrita por Victor Hugo Sigoli de Campos em 22/09/2021
Brás Cubas compartilha sua relação com seus familiares, seus amores e sua vida como político, concentrando-se em situações que despertam tristezas e conflitos. Sua mãe era bonita, piedosa e frágil, o pai era muito protetor e condescendente com o filho que era astuto, indiscreto, travesso. O tio cônego de Brás criticava a falta de correção do seu sobrinho.
Aos dezessete anos Brás vai para Portugal estudar
Direito na Universidade de Coimbra, e a vontade do seu pai era de que se
tornasse Deputado assim que retornasse ao Brasil. Entre seus relacionamentos
amorosos, namorou com Eugênia, a filha de uma amiga pobre da sua família, mas
descartou-a porque era coxa, posteriormente o seu pai tentou arranjar um
casamento com Virgília, filha de um político, o Conselheiro Dutra. Virgília se
casa com Lobo Neves, porém, trai o marido com Brás Cubas.
A narrativa do livro é fluida e, está de acordo com o
vocabulário da época, com muita nuances para o leitor refletir, o narrador
contraditório, aspectos psicológicos, relação entre causa e consequência por
exemplo, na infância Brás foi abastado e protegido tornando-se um adulto
hipócrita. O protagonista conta a sua história de forma irônica, fala diretamente
com o leitor, levando-o a se posicionar sobre as temáticas abordadas, logo,
prevalece a compreensão dos leitores. As digressões são características do
romance e, relevam a compleição psicológica do protagonista que em determinados
momentos interpela um tema e desvia-se perdendo o objetivo. Leiamos um trecho do Capítulo 31- A Borboleta Preta:
“ – No dia
seguinte como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma
borboleta, tão negra quanto a outra e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso
da véspera, e ri-me, entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto
que tivera, e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta,
depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi
pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em
cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto brando com
que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar de escarninho,
que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos
depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão nos nervos, lancei
mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu."
"- Não
caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me.
Tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a
infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido,
incomodado."
"- Também por que diabo
não era ela azul? Disse comigo. E esta reflexão, - uma das mais profundas que
se tem feito, desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me
reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma
simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. Amanhã
era linda. Veio por ali fora, modesta, negra, espairecendo suas borboletices,
sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa
pela minha janela e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não
sabia, portanto o que era o homem; movia, que tinha olhos, braços, pernas, um
ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: “Este é provavelmente o
inventor das borboletas.” A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também
sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era
beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na
vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia
verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a
pedir-lhe misericórdia."
"- Pois
um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a
alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto,
dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque,
é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a
vida; não era impossível que eu a
atravessa-se com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia
restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e
o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as providas formigas... Não,
volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.”
O leitor percebe que Brás Cubas observa e disserta sobre os movimentos da borboleta em relação ao retrato do seu pai, mas sai do foco de sua análise. A reação do protagonista em relação a borboleta é racista. Machado de Assis se baseou na elite carioca do seu tempo para construir a história, classe social que em sua maioria era formada por políticos que estudavam em universidades europeias, usufruíram de conhecimento, filosofia, direito, história, literatura clássica, com o objetivo de adquirir poderes, (atente-se para os pensadores citados por Brás, William Shakespeare, Henri Marie-Beyle, Miguel de Cervantes, Blaise Pascal, Virgílio, Laplace entre outros) eram burgueses que se tornavam diplomatas para administrar o Brasil com regime escravocrata.
A obra representa o Realismo da literatura nacional, os
personagens são retratados conforme as pessoas da época, para Machado de Assis
Brás é a referência para os homens da classe dominante na sociedade brasileira no
século XIX. O personagem nasceu em família abastada e tinha benefícios,
privilégios, poderes, mas aos sessenta e quatro anos percebe que não teve
feitos significativos, por exemplo, não casou, não teve filhos e, idoso sente
que precisa acudir a filosofia para redefinir o propósito da sua existência,
pois, mesmo tendo recursos ele não usou para construir vida significativa.
Ficha Técnica
Nome: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Autor: Machado de Assis
Editora: Klick Editora/ Jornal O Estado de S. Paulo
Número de páginas: 256