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sábado, 25 de setembro de 2021

CRÍTICA | MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, DE MACHADO DE ASSIS

 

Escrita por Victor Hugo Sigoli de Campos em 22/09/2021 

 



O escritor Machado de Assis publicou em 1881 o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra que retrata a elite da sociedade do Rio de Janeiro no século XIX. O protagonista é o defunto Brás Cubas que conta ao leitor à sua biografia de forma fragmentada, durante o tempo que relembra fatos e momentos da sua vida, os personagens vão e voltam na narrativa.

Brás Cubas compartilha sua relação com seus familiares, seus amores e sua vida como político, concentrando-se em situações que despertam tristezas e conflitos. Sua mãe era bonita, piedosa e frágil, o pai era muito protetor e condescendente com o filho que era astuto, indiscreto, travesso. O tio cônego de Brás criticava a falta de correção do seu sobrinho.

Aos dezessete anos Brás vai para Portugal estudar Direito na Universidade de Coimbra, e a vontade do seu pai era de que se tornasse Deputado assim que retornasse ao Brasil. Entre seus relacionamentos amorosos, namorou com Eugênia, a filha de uma amiga pobre da sua família, mas descartou-a porque era coxa, posteriormente o seu pai tentou arranjar um casamento com Virgília, filha de um político, o Conselheiro Dutra. Virgília se casa com Lobo Neves, porém, trai o marido com Brás Cubas.

A narrativa do livro é fluida e, está de acordo com o vocabulário da época, com muita nuances para o leitor refletir, o narrador contraditório, aspectos psicológicos, relação entre causa e consequência por exemplo, na infância Brás foi abastado e protegido tornando-se um adulto hipócrita. O protagonista conta a sua história de forma irônica, fala diretamente com o leitor, levando-o a se posicionar sobre as temáticas abordadas, logo, prevalece a compreensão dos leitores. As digressões são características do romance e, relevam a compleição psicológica do protagonista que em determinados momentos interpela um tema e desvia-se perdendo o objetivo. Leiamos um trecho do Capítulo 31- A Borboleta Preta:

                                     “ – No dia seguinte como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra quanto a outra e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me, entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera, e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar de escarninho, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão nos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu."

                                          "- Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me. Tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado."

                                          "- Também por que diabo não era ela azul? Disse comigo. E esta reflexão, - uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. Amanhã era linda. Veio por ali fora, modesta, negra, espairecendo suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto o que era o homem; movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: “Este é provavelmente o inventor das borboletas.” A idéia subjugou-a,      aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia."

                                         "- Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessa-se com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as providas formigas... Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.”

O leitor percebe que Brás Cubas observa e disserta sobre os movimentos da borboleta em relação ao retrato do seu pai, mas sai do foco de sua análise. A reação do protagonista em relação a borboleta é racista. Machado de Assis se baseou na elite carioca do seu tempo para construir a história, classe social que em sua maioria era formada por políticos que estudavam em universidades europeias, usufruíram de conhecimento, filosofia, direito, história, literatura clássica, com o objetivo de adquirir poderes, (atente-se para os pensadores citados por Brás, William Shakespeare, Henri Marie-Beyle, Miguel de Cervantes, Blaise Pascal, Virgílio, Laplace entre outros) eram burgueses que se tornavam diplomatas para administrar o Brasil com regime escravocrata. 

A obra representa o Realismo da literatura nacional, os personagens são retratados conforme as pessoas da época, para Machado de Assis Brás é a referência para os homens da classe dominante na sociedade brasileira no século XIX. O personagem nasceu em família abastada e tinha benefícios, privilégios, poderes, mas aos sessenta e quatro anos percebe que não teve feitos significativos, por exemplo, não casou, não teve filhos e, idoso sente que precisa acudir a filosofia para redefinir o propósito da sua existência, pois, mesmo tendo recursos ele não usou para construir vida significativa.

 

Ficha Técnica

Nome: Memórias Póstumas de Brás Cubas

Autor: Machado de Assis

Editora: Klick Editora/ Jornal O Estado de S. Paulo

Número de páginas: 256


       

                                               

                                                                        

                                                 






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