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sábado, 6 de novembro de 2021

CRÍTICA | O CORTIÇO, DE ALUÍSIO AZEVEDO

Escrita em 02/11/2021 por Victor Hugo Sigoli de Campos 






O livro de Aluísio Azevedo retrata a vida em um cortiço no Rio de Janeiro em 1890, fundamentando-se nas teorias do movimento literário Realismo - Naturalismo, pressupondo que a arte deveria basear-se na ciência para retratar o ser humano, considerando o efeito do ambiente em que vive na sua personalidade e comportamento. Os personagens são João Romão, Miranda, Dona Estela, Zulmira, Bertoleza, Rita Baiana, Firmo, Pombinha, Leandra a “Machona”, Augusta, Leocádia, Agostinho, Alexandre, Marciana, Henrique, Dona Isabel, Bruxa, Jerônimo, Piedade e Senhorinha. 

João Romão é proprietário de um conjunto habitacional e uma estalagem, localizados em um bairro operário, ambiciona igualar o seu patrimônio ao do seu vizinho Miranda, e para isso explora Bertoleza. Miranda mora em uma casa grande e seu negócio de tecidos foi comprado com o dinheiro de sua esposa Dona Estela que trai o marido, o casal sustenta um casamento de aparências. O casal Jerônimo e Piedade são pais de Senhorinha, o pai de família tem uma derrocada moral após conhecer Rita Baiana, tornando-se um marido infiel e inimigo de Firmo namorado de Rita.

 Leiamos um trecho do Capítulo III:

                                           “Naquela manhã levantara-se ainda um pouco mais lânguido que de costume, porque passara mal à noite. A velha, Isabel, que lhe ficava do lado esquerdo, ouvindo-o suspirar com insistência, perguntou-lhe o que tinha.” 

                                            “Ah ! Muita moleza de corpo e uma pontada no vazio que o não deixava!”

                                             “A velha receitou diversos remédios, e ficaram os dois, no meio de toda aquela vida, a falar tristemente sobre moléstias.”

                                             “ E, enquanto no resto da fileira, a Machona, a Augusta, a Leocádia, a Bruxa, a Marciana e sua filha, conversavam de tina a tina, berrando e quase sem se ouvirem, a voz um tanto cansada já pelo serviço, defronte delas, separado pelos jiraus, formava-se um novo renque de lavadeiras, que acudiam de fora, carregadas de trouxas, e iam ruidosamente tomando lugar ao lado umas das outras, entre uma agitação sem tréguas, onde se não distinguia o que era galhofa e o que era briga. Uma a uma ocupavam-se todas as tinas. E de todos os casulos do cortiço saíam homens para suas obrigações. Por uma porta que havia ao fundo da estalagem desapareciam os trabalhadores da pedreira, donde vinha agora o retinir dos alviões e das picaretas. O Miranda, de calças de brim, chapéu alto e sobrecasaca preta, passou lá fora, em caminho para o armazém, acompanhado pelo Henrique que ia para as aulas. O Alexandre, que estivera de serviço essa madrugada, entrou solene, atravessou o pátio, sem falar a ninguém, nem mesmo à mulher, e recolheu-se à casa, para dormir. Um grupo de mascates, o Delporto, o Pompeo, o Francesco e o Andréa, armado cada qual com sua grande de caixa de bugigangas, saiu para a peregrinação de todos os dias, altercando e praguejando em italiano.”

O livro apresenta muitas características da vida em comunidades, por exemplo, um senhor que tem um empreendimento um mercado, cujo local é frequentado por todos e é o “ponto de encontro” entre os moradores. Os moradores lavam roupas juntos, frequentam as casas uns dos outros, todos interagem, todos conversam, quando tem briga todos assistem. O autor intercala às suas descrições com os diálogos dos personagens, com linguagem técnica, com os termos científicos, “laboriosa”, “experimentação”.

A narrativa acontece em um espaço físico delimitado que propicia o contato entre os habitantes do cortiço, brigas, festas, lutas, sexo, são descritos de forma detalhista pelo autor, e o clima quente dos trópicos cria momentos de ação no enredo, logo o calor também é um elemento determinista. Os personagens passam por transformações, Romão enriquece e torna-se mais rico que Miranda, por fim sua ambição é atingida. O arco narrativo de Jerônimo é marcado pela sua decadência, inicia sendo pai de família, mas ao se apaixonar por Rita Baiana torna-se vítima dos seus próprios desejos.

Pombinha é uma das moradoras mais estimadas do local, estudante, ajuda a família a pagar às contas e escreve cartas para os seus vizinhos, mas é seduzida pela prostituta de luxo Léonie, tornando-se namorada dela e prostituta. Azevedo conta o começo, meio e fim do arco dos personagens, narra a história de forma onisciente sem envolver-se diretamente. As temáticas propostas são abordadas pela lógica causa - consequência, de forma que, o convívio e o vínculo estabelecidos entre os personagens determinam o desenvolvimento de seus arcos narrativos. 

A mentalidade estética de Aluísio Azevedo segue os princípios do Realismo – Naturalismo, cujo objetivo é representar fatos sociais em material litúrgico. O fim do século XIX marca o início da urbanização no Brasil, as populações de baixa renda eram empurradas para as áreas mais degradadas das cidades, processo que levou a formação da vida periférica nos morros. O escritor compõe um registro fiel à realidade, relevando mártires sociais que se criaram com a abolição da escravidão, exploração, hipocrisia e contraste entre riqueza e pobreza.      

 

Ficha Técnica

Nome: O Cortiço 

Autor: Aluísio Azevedo

Editora: Klick Editora/ Jornal O Estado de S. Paulo

Número de páginas: 192 




   











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