Escrita em 02/11/2021 por Victor Hugo Sigoli de Campos
O livro de Aluísio Azevedo retrata a vida em um cortiço no Rio de
Janeiro em 1890, fundamentando-se nas teorias do movimento literário Realismo -
Naturalismo, pressupondo que a arte deveria basear-se na ciência para retratar
o ser humano, considerando o efeito do ambiente em que vive na sua personalidade e comportamento. Os personagens são João Romão, Miranda, Dona Estela, Zulmira, Bertoleza, Rita
Baiana, Firmo, Pombinha, Leandra a “Machona”, Augusta, Leocádia, Agostinho,
Alexandre, Marciana, Henrique, Dona Isabel, Bruxa, Jerônimo, Piedade e
Senhorinha.
João Romão é proprietário de um conjunto habitacional e uma estalagem,
localizados em um bairro operário, ambiciona igualar o seu patrimônio ao do seu
vizinho Miranda, e para isso explora Bertoleza. Miranda mora em uma casa grande
e seu negócio de tecidos foi comprado com o dinheiro de sua esposa Dona
Estela que trai o marido, o casal sustenta um casamento de aparências. O casal
Jerônimo e Piedade são pais de Senhorinha, o pai de família tem uma derrocada
moral após conhecer Rita Baiana, tornando-se um marido infiel e inimigo de
Firmo namorado de Rita.
Leiamos um trecho do Capítulo III:
“Naquela manhã levantara-se ainda um pouco
mais lânguido que de costume, porque passara mal à noite. A velha, Isabel, que
lhe ficava do lado esquerdo, ouvindo-o suspirar com insistência, perguntou-lhe
o que tinha.”
“Ah
! Muita moleza de corpo e uma pontada no vazio que o não deixava!”
“A velha receitou diversos remédios, e
ficaram os dois, no meio de toda aquela vida, a falar tristemente sobre
moléstias.”
“
E, enquanto no resto da fileira, a Machona, a Augusta, a Leocádia, a Bruxa, a
Marciana e sua filha, conversavam de tina a tina, berrando e quase sem se
ouvirem, a voz um tanto cansada já pelo serviço, defronte delas, separado pelos
jiraus, formava-se um novo renque de lavadeiras, que acudiam de fora,
carregadas de trouxas, e iam ruidosamente tomando lugar ao lado umas das
outras, entre uma agitação sem tréguas, onde se não distinguia o que era
galhofa e o que era briga. Uma a uma ocupavam-se todas as tinas. E de todos os
casulos do cortiço saíam homens para suas obrigações. Por uma porta que havia ao
fundo da estalagem desapareciam os trabalhadores da pedreira, donde vinha agora
o retinir dos alviões e das picaretas. O Miranda, de calças de brim, chapéu
alto e sobrecasaca preta, passou lá fora, em caminho para o armazém,
acompanhado pelo Henrique que ia para as aulas. O Alexandre, que estivera de
serviço essa madrugada, entrou solene, atravessou o pátio, sem falar a ninguém,
nem mesmo à mulher, e recolheu-se à casa, para dormir. Um grupo de mascates, o
Delporto, o Pompeo, o Francesco e o Andréa, armado cada qual com sua grande de
caixa de bugigangas, saiu para a peregrinação de todos os dias, altercando e
praguejando em italiano.”
O livro apresenta muitas características da vida em comunidades, por
exemplo, um senhor que tem um empreendimento um mercado, cujo local é
frequentado por todos e é o “ponto de encontro” entre os moradores. Os
moradores lavam roupas juntos, frequentam as casas uns dos outros, todos
interagem, todos conversam, quando tem briga todos assistem. O autor intercala às
suas descrições com os diálogos dos personagens, com linguagem técnica, com os termos
científicos, “laboriosa”, “experimentação”.
A narrativa acontece em um espaço físico delimitado que propicia o contato
entre os habitantes do cortiço, brigas, festas, lutas, sexo, são descritos de
forma detalhista pelo autor, e o clima quente dos trópicos cria momentos de ação no
enredo, logo o calor também é um elemento determinista. Os
personagens passam por transformações, Romão enriquece e torna-se mais rico que
Miranda, por fim sua ambição é atingida. O arco narrativo de Jerônimo é marcado
pela sua decadência, inicia sendo pai de família, mas ao se apaixonar por Rita
Baiana torna-se vítima dos seus próprios desejos.
Pombinha é uma das
moradoras mais estimadas do local, estudante, ajuda a família a pagar às contas
e escreve cartas para os seus vizinhos, mas é seduzida pela prostituta de luxo
Léonie, tornando-se namorada dela e prostituta. Azevedo conta o começo, meio e
fim do arco dos personagens, narra a história de forma onisciente sem envolver-se diretamente. As temáticas propostas são abordadas pela lógica causa - consequência, de forma que, o convívio e o vínculo estabelecidos entre os personagens determinam o desenvolvimento de seus arcos narrativos.
A mentalidade estética de Aluísio Azevedo segue os princípios do
Realismo – Naturalismo, cujo objetivo é representar fatos sociais em material
litúrgico. O fim do século XIX marca o início da urbanização no Brasil, as populações de baixa renda eram empurradas para as áreas mais degradadas das
cidades, processo que levou a formação da vida periférica nos morros. O
escritor compõe um registro fiel à realidade, relevando mártires sociais que se
criaram com a abolição da escravidão, exploração, hipocrisia e contraste entre
riqueza e pobreza.
Ficha Técnica
Nome: O Cortiço
Autor: Aluísio Azevedo
Editora: Klick Editora/ Jornal O Estado de S. Paulo
Número de páginas: 192